
SAMBAQUI - MEUS TRABALHOS
Eu sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever – mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
(Clarice Lispector)
Sambaqui é o meu sítio arqueológico onde revolvo com delicadeza e, às vezes, com brutalidade as camadas que vão trazendo à tona minhas lembranças, minhas heranças, os sentimentos e pensamentos, meu inconsciente na forma de minhas criações.
JULHO,2022.






MOTUMBÁ
No ano de 2006 inicio uma série de pesquisas e criações inspiradas nos retábulos de madeiras feito no século XVI em devoção aos santos protetores. Procurando uma roupagem mais contemporânea com a utilização de paetês, flores, colagens, pinturas e os mais diversos materiais que contribuíssem para trazer esse campo simbólico e sua representatividade. Em janeiro de 2021 começo a ampliação do meu repertório. Agora, os nichos de devoção são feitos nas latinhas de sardinhas, com representação das forças da natureza encontrado em cada Orixá que compõem o panteão sagrado das casas religiosas de matriz africana.
A série “Motumbá”, os pequenos nichos de devoção aos Orixás, procura trazer ao público a história e potência desses deuses, o respeito às religiões de Matrizes africanas, bem como, o combate a intolerância religiosa e a cultura africana. Trazer à tona este trabalho é valorizar nossas raízes ancestrais como identidade nacional, nossa formação como povo brasileiro. O Brasil desde o século XVI até o século XIX foi porta de entrada deste grande contingente de africanos escravizados, oriundos dos mais diversos povos do continente africano. Como diz o autor de vários ensaios sobre os diversos cultos de raízes africanas, José Beniste:
“Em quatro dos seus cinco séculos de existência, o Brasil ficou sob a regência da escravidão, populacionando-se, construindo suas unidades e toda uma cultura. Foi uma forma de colonização, na qual a sua exploração de suas riquezas naturais superou os interesses populacionais da posse da terra para o seu crescimento”.
Motumbá Asè é dar voz no combate ao preconceito e ao racismo ainda muito vigente em nosso país. Falar de um trabalho que valoriza o respeito e a compreensão dessa importância histórica, cultural e religiosa é acenar para o alerta que o mundo contemporâneo vive em meio a sua degradação, já que esses pequenos nichos de devoção são uma valorização à Terra, seus elementos e suas forças.




JUNHO,2022.
ASÈ
Omulu Exú Ogum
O Alumiado em 2006 iniciou suas criações inspiradas nos retábulos de madeira feito no século XVI em devoção aos santos protetores. Com uma roupagem mais contemporânea com a utilização de paetês, flores e o que mais pudessem trazer mais simbologia e representatividade aos oratórios. Em janeiro de 2021 iniciei uma nova série, inspirada na mitologia Iorubá, com latinhas de sardinhas que se transformaram em pequenos nichos de devoção. Agora apresento meu novo trabalho em esculturas, o qual chamo de Asè. São peças feitas com utensílios muito utilizados nos terreiros de Candomblé em seus cultos aos Orixás, como quartinhas e alguidás. As esculturas são pedaços dos utensílios que já não mais possuem suas funções ritualística, assumindo um caráter artístico e com livre interpretação dessas forças potentes da natureza. As criações atualmente fazem parte do acervo do Ilé Asé Iyá Omi Orun, Benção a minha mãe Eja Dewá e o meu respeito e devoção a essas forças motrizes.

JANEIRO, 2020.
BEM-TE-VI
C0m0 é bom ser "provocado" por acreditarem e se identificarem criativamente com o seu trabalho. Já fazem alguns bons anos que faço a cenografia para algumas apresentações de alguns coros do Colégio Sāo Vicente de Paulo. Sabia que em 2019 o Amigos do Sāo Vicente (ASV) faria a estreia do seu novo espetáculo, e que o repertório estava sendo finalizado com as pesquisas de Danilo Frederico, Patricia Costa e Paulinho Lopes. Sempre tive o costume de escrever minhas adaptações teatrais para os meus alunos, texto para exposiçāo ou projeto, recorrendo a música para ambientar, em imagens e sensações, as palavras que ali se encontravam. Minha cenografia das palavras. O Danilo, regente do ASV, tinha falado sobre a temática: empatia. Ele acreditava que era necessário e urgente ver através do olhar do outro para enxergar o outro num momento de tanta estupidez humana. Levar o verbo esperançar a conjugar um mundo possível e mais humanizado. Sempre tivemos o costume de ouvir músicas junto, passear pelas variedades e diversidades musicais. Falar sobre o que ouço, perguntar outras mais; assim aprender a ouvir e conhecer as histórias. Dessa forma, aprendi muito do show e das músicas originais. Nos muitos bate-papos sobre a concepção, ficou acertado que o cenário traria corações que se ligariam a outros pelas artérias. A empatia é ação, trazer cor, ser COR-AÇĀO. Ver e sentir-se tocado e deixar ser tocado no outro. É muito prazeroso profissionalmente ser tocado pelo talento criativo de tantos artistas.
Os coraçōes foram confeccionados por uma pessoa que conheci no ano passado, Hamis Serella, e que se mostrou disponível e séria com sua artesania. A iluminação foi desenhada pelo parceiro de outras empreitadas e que possui uma sensibilidade e afinidade junto aos projetos que realizamos, meu irmão Aurélio Oliosi. Junta-se aí outras pessoas deliciosas de ofício (Joana Nunes, Louise Schil, Bianca Fillipeli, Shirley Vilella e tantas outras), e que aumenta nossa teia em dialogar com o mundo por meio da Arte. Falamos também sobre e o significado dos tsurus e sua mensagem dentro do espetáculo. Eles sairiam em revoada pelos corações, num degradê do vermelho ao rosa, até chegar ao branco. O branco da paz, do respeito às diferenças. Havíamos fechado o nome: Tsuru. Cheguei a ir ao ensaio para explicar a concepção cenográfica e de figurino. Pensei na simplicidade do ser desprovido de seus vários egos, o que facilita na sua experiência de vivência com o próximo. Traríamos a pulsāo, a força da vida, o sangue com seu vermelho intenso. Os músicos, Naife Simões e Leo de Freitas, o batimento da vida, o próprio pulso do coraçāo. Por isso, todos dois de vermelho. O regente fazendo o elo entre a vida e a liberdade de ser. Passaram alguns dias e o Danilo procurava por cantos de pássaros para incluir em uma ambientação que ele queria. Ao abrir o computador, o primeiro canto a chilrear foi o do bem-te-vi, uma ave bem popular no Brasil. Foi comunicação direta sobre o que pensava e queria, com seus coralistas dizer. Eis o nome do show do ASV: BEM-TE-VI. Além da sonoridade da palavra, também carregava o sentido da partilha e a compreensāo de toda a natureza na estruturaçāo de uma sociedade saudável. Foi assim que o Bem-Te-Vi pousou no auditório do Colégio São Vicente de Paulo, em quatro apresentações, para ressoar a voz dos excluídos, dos marginalizados, dos ditos "diferentes", dos sem vozes. Um olhar para o mundo e todos os seus habitantes, com generosidade, aceitação, afetividade e valorização da diversidade como riqueza de aprendizagem e convívio entre os seres.
Imagens feitas por Marcello Ferreira. A apresentação completa, faixa a faixa, pode ser visto no Youtube no link: Coral ASV show Bem-Te-Vi
OUTUBRO, 2019.
Ao idealizar e realizar o Alumiado fui criando links que mostrassem meus caminhos criativos durante os processos em várias esferas de atuação. Mesmo procurando separá-los, o processo de criação brota da necessidade em dizer algo, mesmo que não seja tão iluminado a trajetória. Ela é construída na ação do dia a dia, na sua elaboração, da sua necessidade em fazer. Procurei dividir o percurso em links de trabalho, mas todos se misturam. Meu fazer artístico também se encontra dentro da sala de aula. A educação é um descobrir-se (apesar dos conhecimentos) no compartilhamento, na provocação da criatividade em repassar e absorver o movimento que acontece dentro de um espaço para ser de criação. Fiquei pensando que os momentos de sala de aula deveriam ir para o Ateliê Criativo, já que a arte engloba uma reunião de fazeres. Um olhar, uma música, um movimento, uma sensação, uma intuição que desperte para uma necessidade contida em você e de querer dizer não somente ao mundo, mas à você. Por isso, por mais que eu tente em separá-las, elas estão integradas e reverberando no meu fazer. Dentro do ateliê procuro despertar e estimular as potencialidades de cada um, abrir possibilidades, desenvolver a acuidade do olhar e sua expressão. Gostaria de colocar trabalhos fora da esfera educacional, mas a minha criação também está permeado à minha atuação do meu dia a dia. E também contribuo com o meu fazer artístico na construção desse corpo que vai sendo erguido dentro do ateliê de artes, já que trabalhos pedagógicos não são necessariamente artísticos, mas os artísticos estão contidos o pedagógico. Ainda falarei em breve sobre isto. Por mais que eu siga outras trilhas, esses caminhos se encontram, se enriquecem e não se bifurcam. Toda palavra para dizer que não somos compartimentados, por mais que nos façam acreditar. Somos a junção de todas as vivências e experiências que realizamos. Então irei colocar o registro de um trabalho desenvolvido durante o mês de agosto e setembro, e que teve uma construção bastante autoral. O projeto era falar sobre o povo brasileiro. A obra que criou corpo veio do processo de finalização que foi o desenho de observação e depois um desenho criativo de uma paisagem. Nossa partida se iniciou com a expedição de Langsdorf pelos rincões do Brasil, entre 1824 a 1829, através dos registros mais variados sobre a nossa natureza e nossos costumes.. Depois os alunos foram explorar o espaço da escola, procurando através do olhar o seu foco de atenção. As imagens foram ganhando formas, texturas, volumes, cores, detalhes, visões espaciais e particulares, passando para o canson, em seguida, a aquarela e a fine pen. Por último, a assinatura do artista e a colocação das molduras.. Com o estudo feito voltamos ao espaço de criação ,e refizemos e apuramos os traços, ampliando técnicas e formas de se expressar. Em vários momentos , a imagem pictórica que estava sendo construída buscou inspiração em diferentes artistas. Discutimos os processos criativos que se somaram ainda a sua forma de linguagem, apresentação e leitura que se quer alcançar. O nome da exposição se chamou MATRIZ, uma instalação que procurou despertar no público uma viagem ao tempo, dessa vez, numa cápsula do tempo, refletindo: De Onde Viemos, Quem Somos e O Que Queremos? Para isso, disponibilizamos um lugar na escola para que a obra cumprisse a sua finalidade. Estar dentro de um espaço pensado para sua ocupação, e não ao contrário. Os desenhos foram distribuídos como estudos sobre a natureza a serem preservados por historiadores, museólogos e professores, como forma de catalogação e manutenção sobre a importância de tais registros para a construção da história como nação e de afirmação como povo brasileiro. Ao lado também foi criado um mural, inspirado no trabalho realizado em aula por um aluno do 4º ano, simbolizando nossa diversidade e pluralidade. O objetivo do ateliê é que os alunos, além de sua produção individual, também possam desenvolver sua expressão dentro de um processo coletivo. Então, a riqueza da coletividade se fez ao termos vários alunos de outras séries desejando dar sua contribuição àquele corpo que se levantava. Em frente ao mural, encontrava-se a terceira parte da obra que compunha MATRIZ. Foi o nosso tronco de formação a partir da contribuição indígena, africana e europeia, simbolizada pela árvore do pau-brasil. Aos pés dos dois murais foram acrescentados 30 quilos de carvão como crítica e a reflexão das queimadas que continuam acontecendo crescentemente no país. A finalização do projeto aconteceria no fechamento do evento com a participação de todos os alunos do fundamental I, junto comigo, professor de artes, e música, apresentando o resultado das pesquisas que passearam por diversas manifestações populares, como: jongo, cavalo marinho, maracatu, caboclinhos, entre tantas outras expressões culturais visitadas. Com uma Ciranda Da Paz nos despedimos, acreditando termos feito uma grande celebração e afirmação de toda a nossa herança e sua pulsação forte encontrada em nossas manifestações culturais, costumes e falas. E como a história é escrita e reescrita todos os dias por ser VIVA, acreditamos que os alunos ajudem na continuação dela com respeito, direito e deveres, empatia, pluralidades, humanidades e liberdades. A apresentação era contada por coreografias acompanhadas de textos criados por mim e músicas infantis, como: Uirapuru (Edgar Scandurra), Sítio do Picapau Amarelo (Gilberto Gil), Obá (Comadre Florzinha), Fome Come (palavra Cantada) e a Doutora Lia de Itamaracá (que havia recebido o prêmio de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco).





JANEIRO, 2019.
Ano passado fui convidado por Patricia Costa, regente dos corais: SVAC e SVEM, do Colégio São Vicente de Paulo, para fazer o cenário do novo show do Coral São Vicente do Ensino Médio, cuja abordagem seria os refugiados. Já havia feito vários outros trabalhos de cenografia e alguns figurinos para outras apresentações do coral. E, como não oportunizar o tempo como professor e artista para esse trabalho? Ainda mais com o tema: "Uma Janela Para O Mundo: Estrangeiro Eu Não Vou Ser." As temáticas e a modernidade cênica, sob a batuta da Patricia, são sempre uma troca e uma aprendizagem das linguagens artísticas para mim. Depois de ouvir o conceito do show e da direção, comecei a alinhavar com a imagem dessa grande nau de expatriados, sem terra, sem destino, sem lugar no mundo contemporâneo. Uma grande crise humanitária vive o homem moderno que não se reconhece no outro e não se vê como parte desse organismo vivo chamado universo. O afastamento dessa sua humanidade é a grande causa de não enxergar e se reconhecer nos seus pares. Enquanto isso, desmatamos, extinguimos, guerreamos, matamos e abandonamos milhares de pessoas nômades a vagarem pelo planeta sem destino, sem aceitação, como os antigos barcos cheios de loucos que vagavam à deriva no mar aberto, sem um porto de desembarque. Combinamos que o ambiente seria construído com amarrações de cordas de diferentes espessuras e que estariam agarradas, enrodilhadas, grudadas a elas diferentes objetos, abandonados durante o trajeto por esses refugiados que continuam compondo a história da humanidade. Jesus criança não foi um refugiado? No centro do palco haveria uma bandeira branca, já gasta, e onde seria projetado os vídeos que comporiam a concepção cênica de Patricia Costa. Foi um show que tenho muito orgulho de ter participado, trabalhando minha sensibilidade ao tema e ao espetáculo. E, lógico, toda a energia, comprometimento com a música e com a arte, sentido de grupo, acolhimento, respeito, amizade, opiniões e liberdade desses jovens que usam o instrumento da voz para "Dizer" ao mundo. Evoé! Salve! Axé!
OUTUBRO, 2018.
Na tripa da miséria na tripa tensa da mais megera
miséria
Física e doendo doendo como um prego na palma da mão
Um ferrugem prego cego na palma espalma da mão
Coração exposto como um nervo tenso retenso um
renegro
Prego cego durando na palma polpa da mão ao sol.
Caetano Veloso
Fiquei refletindo sobre o que está acontecendo e qual a minha interpretação dos fatos. Resolvi compartilhar no Alumiado por entender que criei o site para que pudesse expressar-me artisticamente e com o pensamento livre. Este é o objetivo. Então como educador, artista e cidadão, não posso e não devo anular-me frente a questões profundas, como: liberdade de expressão e direitos humanos. Estamos num grande exercício democrático, mas me parece que sua compreensão anda mal interpretada. Só existe de fato a democracia se soubermos respeitar as diferenças. Uma grande revolução está acontecendo e cabe a nós direcioná-la para o sentido da vida, e não o seu cerceamento. Somos um país constituído por mazelas ao longo de nossa história, com muitos momentos de brutalidade sobre os filhos deste pedaço de chão chamado Brasil. Acompanhamos todos os dias pelos noticiários, nas trocas de conversas e pelo olhar, quando nos deixamos ser tocados pela compaixão, a mediocridade e exploração com que são tratados os menos favorecidos. Procuramos sufocar a dor no meio de tamanho descuido e inoperância do Estado e suas instituições. Conjugar Esperança no cotidiano vem nos sendo negado. E com a fúria que nos impõem, iludimo-nos achando que a tornamos menos cruel quando aceitamos ser a violência o caminho de transformação, sem acreditarmos mais nos direitos humanos como firmamento de liberdade e cuidado a todo ser. Impingir mais violência ao cotidiano tão violento é dilacerar, ainda mais, a pele tão dorida, reavivando com mais intensidade essa ferida inconsciente, emergindo nosso capitão do mato que não se reconhece no outro, e fazendo acreditar não pertencente àquele lugar. Queremos arrancar as dores sem olhar para a carne exposta. Não compreendemos que as chagas foram anos de luta e avanços para se trilhar a democracia. Querer escondê-la para sonhar um sonho individual junto aos seus, afastando o sonho coletivo, é fortalecer as grades de nossas prisões internas. É deixar a aspereza das relações suplantar a paz. Somos originários do fundo das florestas, que incessantemente procuramos exterminar junto com nossa ancestralidade. Bem como os ecos vindos dos porões dos navios negreiros que aqui desembarcaram e ergueram a nossa casa sobre os grilhões da injustiça. Ainda falamos a língua exploratória e impiedosa do colonizador, no sentido mais amplo de encobrir "nossas vergonhas". "As vergonhas" referida no passado era o respeito ao corpo, sua beleza e liberdade, sem as culpas, padrões e preconceitos. "As vergonhas" de hoje é não reconhecer que nascemos do estupro dos índios, dos negros, das minorias, e que ainda permitimos deixarmo-nos ser violentados no estalar da ponta do chicote. Como sonhar se construímos o pesadelo? Ver Luzia perdida no meio do fogo do Museu Nacional, junto a toda riqueza material e simbólica, foi a negação ao direito à educação, à arte, à ciência, à vida e ao conhecimento. Desvalorizar-se e não reconhecer-se neste barro em que fomos esculpidos faz com que percamos as oportunidades de mudanças, retardando o reconhecimento de nossa identidade. Costurar nossa pele esgarçada e aprender com suas marcas. Mas não, desprezamos a Grande Mãe com seu acolhimento, responsabilidade, justiça e liberdade, para alçar voos mais altos, explorando horizontes e se fazendo ouvir como grande nação miscigenada. Que Luzia resgatada pelos escavadores no meio dos escombros no dia de hoje, 19, nos faça trazer de volta o feminino e sua representação. Um Brasil orgulhoso de sua origem e história, exercendo seu direito cidadão em preservar a democracia como um bem comum de todo o povo brasileiro. Viva a diversidade, a arte, as diferenças, as minorias, a democracia, a vida. #EleNão

AGOSTO, 2018.
Já escrevi anteriormente que aproveito alguns momentos para dedicar o meu olhar através das lentes. Em julho não foi diferente, fui conhecer um trecho de praia na região de Paraty - uma cidade muito vivida por mim na adolescência e da qual tenho uma grande memória afetiva. Lembro-me de caminhar por suas ruas de pedras, sem essa efervescência turística e com tantos festivais, com minha família do Revolucena. Foi com Zequinha Miguel que tive a oportunidade de conhecer Zé Kleber, o poeta; Themilton Tavares, artista plástico, diretor do grupo A Chave no Trombone e jornalista; Luís Perequê, grande poeta, cantor e defensor da cultura caiçara; Katy, da comunidade do Celavi, das máscaras do grupo, o teatro e a música; da Ciranda, que finalmente virou Patrimônio Cultural; do grupo Farinha Seca, e tantas outras pessoas e histórias. Alguns dos registros aqui postados suscitaram momentos de tantas descobertas numa fase da vida e que ajudaram a moldar quem sou. Estar em Paraty é resgatar minhas raízes caiçaras, lembrar do armazém em Angra que vendia peixe seco, da casa de farinha da minha família na Ilha Grande, do fazer da rede, das canoas coloridas.
SABOR
Gosto do gosto de gente
Gosto de gente que gosta
Gente que gosta com gosto
O sabor de gente que gosta de gente






ABRIL, 05/2018.
Já contei que a poesia circundou-me em vários momentos e venho, aos poucos, deixando ela mostrar o seu voo. Sempre critiquei muito o meu verbo, que lá ficou adormecido entre outros textos. De quê adianta prendê-lo se minhas asas estão lá, fechadas? O Alumiado veio para eu enfrentar, aperfeiçoar, refletir, estudar sobre os meus processos e minhas experiências. Na gênesis conto muito da minha árvore que frutifica com a família que escolhi, entre: avós, pais, parentes e amigos. No Sambaqui escolhi a liberdade da criação com noites sombrias, lúgubres e frias. Outras, com o excesso, o amor, a sedução, o gozo, a libertação sem pudor e medidas, o que faz dissipar as nuvens densas e as estrelas a mostrarem os seus lumes. Não são relatos verídicos ou também são, mas trazem momentos de sombras, angústias, prazer e dor. Tudo o que nos torna Ser Humano. E a criação também é perturbadora, irracional, conturbada, transgressora e liberta.
TEMPESTADES
Estou em tempestades.
Nevoento, oblíquo, silencioso... Sem passarinhos.
ENXERGAR
Estou tão cansado
Que sinto minha alma
Escorrer através do meu corpo.
Inerte no chão
Lá estão os meus olhos a fitar-me.
Como não vê-la?
Como não abraçá-la?
Como não ser generoso?
Agora estou em meus braços
Em meus abraços
Com meus laços.
DESCANSO
Hoje está difícil
Dizer a verdade a mim mesmo.
Meus amigos agora são poucos
Meu corpo cada dia mais exausto
Minha pele sem viço
E ela perscrutando-me
A cada movimento meu.
Não ligo.
Indolente anda minhas roupas
A barba por fazer
O asseio do corpo pouco importando
E ela espreitando-me
Atrás da porta.
Não ligo.
Meu desejo é seduzi-la
E entregue ao meu querer
Descansar a vida.
Então, em sonhos
Correr alegremente.

DEZEMBRO, 27/2017.
Cadê o estalo?
Com o período das férias iniciando, com projetos de viagens engatilhados e com a frase sempre pronta, "Quero só relaxar e não pensar em mais nada", para quem irá descansar pós festejos, durante o janeiro, como eu, a mudança de geografia, do ritmo do dia a dia e da rotina é um ótimo campo pra deixar-se aberto para as sensações, emoções, intuições que surgem desse "tal de não fazer nada". O insight criativo surge nesses momentos de "vazios". Aliás, boa parte deles! Basta lembrar que em determinado momento que se estava sobrecarregado e que a ideia não surgia, levantou-se para beber uma água, olhar algo distraidamente pela janela e pronto, surgiu o estalo. Às vezes é preciso mudar o prisma, o padrão, a forma, ou pelo menos quebrar a rigidez para que a criatividade possa vir benfazeja. Em vários momentos estamos a boicotá-la. Mas, isso eu não sei! Ah, não é pra mim! Eu nunca vou conseguir! Mentira nossa, somos todos criativos e imaginativos. Cada um tem o seu processo criativo para as demandas profissionais cotidianas, mas vamos deixar também que as demandas internas de criatividade possam fluir com mais frequência e que possamos captá-las mais para o nosso dia a dia. Alimentando-a, e assim abrindo mais nossas percepções e o poder de transformação. Há alguns anos, durante minhas viagens de férias, iniciei meu olhar de investigação para fotos. Algo mais espontâneo e descompromissado. Achei a experiência divertida e hoje eu a utilizo no registro dos meus trabalhos. Para 2018, um curso para que a técnica possa me auxiliar nas minhas inquietações com a fotografia. Voltando! Débora Braga, com quem tenho alguns registros de vida e momentos pelo Brasil é aquela que aguça o meu olhar curioso, da experimentação, do diálogo com a imagem. Em Angra, um amigo de longa data, o Chiquinho, o Chico Nogueira, sempre foi um referencial com sua curiosidade e criatividade. Acho melhor falar mídias, já que ele ousa com outros equipamentos, além da câmera fotográfica. O querido João Emílio com seus registros durante algumas de nossas viagens, e mais recentemente com sua pesquisa sobre pássaros. E lógico, Fernanda Magalhães, uma londrinense bem angrense. "Fer" tem o trabalho profissional reconhecido, professora na universidade de Londrina, com uma pesquisa comprometida, com um olhar vigoroso e ousado, com várias exposições, uma grande artista. Com tantos amigos com olhares ímpares para sua releitura da imagem, cá vou eu também com a minha audácia procurando captar com liberdade não só aquele close, mas o que está por trás, o olhar de como eu me vejo com a imagem. As fotografias postadas no site que não possuem créditos são de minha autoria. Encerrando também o ano, o Alumiado deseja a todos um olhar generoso para descobertas e para o autoconhecimento. E fica o registro de algumas das minhas vivências com outra forma do olhar.












NOVEMBRO, 04/2017.
Na canção do vento, não se cansam de voar.
A música tornou-se bastante presente na minha vida durante a adolescência. Foi com os Doces Baianos Bárbaros que minha biografia musical começou, acrescidos dos outros mil tons do Milton, Elis, Tom, Ney, Nana, Vinicius, Tom Zé, Asdrubal, Arrigo, Ná Ozetti, e que continua com Monica Salmaso, Karina Buhr, Elza Soares, Marluí Miranda, Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhoto. São muitos! Sem falar nos amigos: P.C. Castilho, Zangareio, Marcela Mangabeira, Luiza Borges, Mauricio Detoni, Simone Mazzer, Laura Lagub, Alice Sales e tantos outros. Os estrangeiros vão de Phillip Glass, Meredith Monk, Yma Sumac, Laurie Anderson à Callas, Ravi Shankar, Nina Simone, Piaf, Cecilia Bartolli e Jessie Norman. Como as vozes com suas particularidades, gosto de perceber e sentir as minhas dentro do meu emaranhado de subjetividades que emergem na preparação dos meus trabalhos artísticos. A música sempre me acompanhou no meu processo criativo, como na escrita de um texto, no pensar sobre uma cena, na apreciação de uma plástica, acompanhando-me também nas noites de tempestades e nos dias ensolarados. Também aprendi com o canto coral. Desde um convite feito por Patricia Costa, regente dos vários corais do São Vicente, e de Malu Cooper e Danilo Frederico, com os Amigos do São Vicente (ASV), para fazer a cenografia de alguns de seus shows, tive a oportunidade de conhecer e vivenciar o coletivo das vozes. Foi assim também com o grupo "4 Cantus", formado por Mauricio Detoni, Marcela Mangabeira, Ana Baird e Danilo Frederico. Passado o tempo, após os dois shows do grupo: "Canto pra Terra" e "4 Cantus canta Doces Bárbaros", fui convidado para fazer a direção, cenografia e figurino do seu terceiro show. Na época, o ano de 2013, eles iriam fazer uma releitura para homenagear o Clube da Esquina, que estava completando 25 anos do álbum. A formação da banda contava com Marcílio Figueiró e André Dantas (violões), Cacau Ferrari (guitarra) e Naiff Simões (percussão e bateria).
Como a arte tece essa grande teia de talentos em nossas vidas, convidei para arregimentar essa produção comigo, de figurino e cenário, minha amiga Lívia Heinerisch, cenógrafa, figurinista, ilustradora e arquiteta. Ela que também já havia criado para peças e shows, como para o grupo vocal Mulheres de Hollanda. Veio logo a ideia do mar de montanhas mineiras, o cheiro do passado barroco, o sabor das comidas no fogão à lenha e nossas lembranças vividas ao som da mineirada. Para o figurino escolhemos para as paletas de cores a terra avermelhada, os cupinzeiros, as pedras dos frontais das sua igrejas, o ferro forjado para as chaves dos casarios e os poetas da terra. Para o cenário criamos as silhuetas montanhosas e a imagem de São Francisco, presente em muitas igrejas que levam o seu nome. Fizemos o nosso Chicão das Geraes!
Ele, confeccionado em papier marchè, com seus acessórios com um toque de mineirice. Sua auréola foi o descanso das panelas de ferro com suas galinhas à cabidela, feijão tropeiro, carré com couve, galinha com ora-pro-nobis- além de descansar as compostas; o cordão franciscano ficou coberto por pimentas e sobre parte do seu roupão, os fuxicos das colchas artesanais. Foi com o aroma do café saindo do bule de ágata, junto ao pão de queijo, que o iluminador e fotógrafo Aurélio Oliosi, produziu as fotos de divulgação do "4 Cantus canta Clube da Esquina", além da luz do show. E quem vai dizer que nesse mundão de meu Deus não somos misturados de sabores, culturas, crenças e artes dos vários cantos do Brasil? Viva o 4 Cantus!!!!
Gravação ao vivo do grupo 4 Cantus interpretando o "Trem azul", de Lô Borges e Ronaldo Bastos, no dia 20/09/2013, no Centro Municipal de Referência da Música Carioca. Fotografia: Márcio Monteiro.


OUTUBRO, 04/2017.
CATAVENTO. Sou eu.... Sou eu...



Agradeço aos fotógrafos que registram o Gigantes desde a nossa preparação, saída da escola Albert Schweitzer e cortejo. Obrigado Juca Filho, André Valente, Daniel Schumacker, André Motta Lima, Barbara Porto, Whereohwhere e todos os demais!
Lá pelos idos de noventa e tal assisti um grupo de mulheres palhaças que fiquei encantado, era As Marias da Graça, com a peça: "Tem Areia no Maiô", com direção de Beto Brown. Em seguida, na Casa de Cultura de Angra fiz uma oficina de palhaço com uma delas, a Ana Luiza Cardoso, a Margarita, que eu gosto tanto. Foi lá que nasceu o Catavento. Naquele tempo ainda um garoto, hoje um senhor que carrega sua ancestralidade nordestina e judaica. Coisa que não se explica muito porque ele diz que é assim sua árvore genealógica. E palhaço tem sempre razão! O menino do nariz vermelho girava pelas ruas de Angra dos Reis com seus improvisos, juntamente com sua companheira Jujuba de Morango, de Andrea Elias, propiciando a mim sentir-me mais eu. Passados alguns anos, são muitas histórias, Cristiana Brasil, ela mesma, a dos oratórios em Vargem Grande, fala de uma audição com Beto Brown e Yeda Dantas para a montagem do espetáculo: "Tem piquenique no front". Lá fomos nós! Catavento e Batuca com o seu pandeiro. Batuca é a Cris! Lá conhecemos o Muzzarela, do Rafael Senna, o Envólucro, do Wanderson Damasceno, e o Tibita, do Wilson Belém. Foi criado o grupo: Tem Palhaço Dando Sopa, juntamente com o Doutor Giramundo, de Yeda Dantas. Distribuímos algumas sopas e demos muitas canjas, como na Casa Paschoal Carlos Magno, em Santa. O nosso piquenique não acabou no front, mas rendeu duas mariolas e um cigarro Yolanda. Yeda Dantas com o meu compadre Doutor Giramundo criaram: "Nois Viemo Aqui Pra Quê?", uma banda de palhaços cantores, com cenário de Ana Gastelois, produção de Valéria Martins e fotografia de Andrea Cals. O Envólucro não estava mais conosco, mas dois malandros músicos que estavam na praça entraram para a nossa companhia: Miguel Schnoor e André Moreno. Algum tempo depois, um dos malandros passou no vestibular e Thiago Assis assumiu o seu acorde. A malandragem é esperta! Das apresentações no Teatro do Jockey para o Hipódromo depois comemorar, fizemos um roteiro pelo Brasil.
De lá pra cá, ao mesmo tempo, juntamente, o Doutor e a Yeda criam o Gigantes da Lira, o primeiro bloco do folião mirim, depois ampliam suas vertentes com o Auto de Natal Gigantes, Festa Junina do Gigantes, Carnaval do Gigantes, As Pastorinhas Gigantes, transformando-se neste lúdico movimento cultural com sua sede em Laranjeiras. Ao completar sua maioridade fui convidado para desenhar a camiseta do bloco. Fui atrás das imagens que tinha como registro dos foliões anônimos e dos filhos dos amigos que nasceram com o Gigantes, e que continuam brincando o carnaval na General Glicério. Criei para os 18 anos, completados em 2016, minha arte Gigante com todo o meu coração verde e laranja. Mas, durante este ínterim o Catavento apaixonou-se em "A Carta", minha criação para o meu solo de palhaço, e quase casou com a Verbela em "Solteira Nunca Mais", direção de Yeda Dantas, com os meus queridos parceiros de cena: Paula Alexander, Acauã Sol, Cristiana Brasil, Camila Nhary, Thiago Assis e Yeda. O Gigantes da Lira sempre foi e continua sendo uma família que quer compartilhar o seu melhor bem: a arte do riso.
A partir daí a árvore genealógica do Catavento não parou mais de crescer. Foi com eles e com tantos outros artistas com seus olhares para a palhaçaria que eu, Jefferson Barbosa, tenho a alegria de sentir o pulsar da liberdade, a aceitação do meu ridículo, de ter a alegria de enxergar pelo viés torto do palhaço e ter o riso como meu mote de vida.
Tudo isso, culpa do mequetrefe do Catavento.
AGOSTO, 19/2017.
O meu processo criativo começa com uma imagem, como a de uma pequena brasa pedindo para ser soprada, para que possa se fazer luz diante às necessidades de expressar-me. Criar para mim é poder escutar-me; querer dizer, muitas vezes, o que não sei; entender minha humanidade. Mas é imprescindível acender essa chama, existente em todo ser humano, para aquecer o peito e aquietar a alma. Em dado momento, por motivos não apenas de necessidade criativa, iniciei uma jornada de artesão na releitura dos pequenos retábulos de madeira. Comecei a criar meus oratórios com elementos mais contemporâneos, e com o incentivo de minha grande amiga/ irmã Cristiana Brasil, juntamente com Danilo Frederico, íamos nas manhãs de domingo vendê-los na estrada de Vargem Grande. Ainda contando com Lucinha Resende e seus clicks para a divulgação das peças, Fabinho com seu lindo texto de apresentação e tantos outros amigos incentivando, presenteando outros e divulgando. O artesão ampliou sua criação com os oratórios de matrizes africanas. Depois de algumas exposições e vendagens no ano de 2006 aceitei o convite e eles foram minha concepção de cenário para o show "Andar com Fé", com o Coral Amigos do São Vicente (ASV), com direção de Malu Cooper, direção cênica de Patricia Costa e iluminação de Aurélio Oliosi.
E passado tanto tempo e tantas histórias, o ASV completa 20 anos!
Amém! Axé! Evoé!


